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Onde está aFelicidade?
A INSATISFAÇÃO DE CAMILO
Como se escreve um romance? E como se lê um romance?
Como é que a imaginação cria personagens? E já que
estamos em maré alta de perguntas: que consequências,
se há consequências– e sim, há!–, advêm de se lerem
romances? E ainda, uma insidiosa e última questão: será possível que
as personagens de um romance se derramem, como água de um copo,
sobre a mesa da vida real? Escreve Camilo: «Os romances fazem mal a
muita gente. Pessoas propensas a adaptarem ‑se aos moldes que admiram
e invejam na novela, perdem ‑se na contrafacção, ou dão ‑se em pábulo ao
ridículo.»
Onde Está a Felicidade?, romance de 1856 de Camilo Castelo
Branco, faz destas perguntas a sua matéria, é esse o stuff shakespeariano
em que os sonhos camilianos se deixam mergulhar. Sim, há uma trama
amorosa central, a história de Guilherme do Amaral e da costureirinha
Augusta, mas tão ou mais arrebatadoras do que as peripécias da trama
são as digressões estéticas e filosóficas, a construção e desconstrução
que os diálogos de duas personagens, o proprietário e diletante Gui-
lherme e o poeta e jornalista sem nome, tecem ao longo do romance,
dando -lhe suporte e desenvolvimento.
Num exercício prodigioso de ironia e desconstrução, o narrador
interpela o leitor, manda -o evitar quatro páginas que não precisa
de ler– digressão que repetirá mais tarde em Que Fazem Mulheres–,
encurta apresentações para que o leitor não se impaciente, bem como,
num assomo de audácia, acusa os leitores de cumplicidade com um
infame júri que teria condenado o seu «poeta» (e adiante veremos
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