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   
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www.guerraepaz.pt/crisantemo
@crisantemoeditora
f @crisantemoeditora
Título: Os Outros de Alguém
Autor: Joana Subtil
Acompanhamento editorial: Maria José Batista
Revisão: Joana Ambulate
Design de capa: Ilídio J.B. Vasco
Paginação: D. Dias
ISBN: 
Depósito legal: /
.ª edição: Janeiro de 
Impresso pela Publito em Braga
© Autor e Guerra e Paz, Editores, Lda., 
Reservados todos os direitos
Crisântemo é uma chancela da Guerra e Paz, Editores
R. Conde de Redondo, –.º Esq.   - Lisboa
Tel.:     [email protected]
Esta obra foi composta em Adobe Caslon, Hoeer e Futura
e impressa sobre papel Holmen  g .
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Descomplicar
a velhice com amor
e empatia
Joana Subtil
OS
OUTROS
DE
ALGUÉM
PREFÁCIO
Isabel
Osório
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Joana Subtil 7
Índice
O significado  . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Quem sou eu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15
Covid -19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25
A velhice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Lares, residências seniores, casasderepouso e mais
qualquercoisinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
39
A integração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
O julgamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51
A família . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
A abordagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .65
A individualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Os profissionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Romantizar a geriatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
A sexualidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .97
A morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
As «vacas» das directoras . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
E é isto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
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Joana Subtil 9
O significado PREFÁCIO
que alguém escute as palavras escritas pela Joana.
que alguém leia as emoções vividas e aqui deixadas
pela autora deste livro.
que estas páginas sirvam de alavanca a uma nova
perspectiva de futuro.
No meu percurso profissional, como jornalista, foram
inúmeras as reportagens que fiz sobre maus-tratos a ido-
sos institucionalizados.
Casos dramáticos que se tornaram notícia e indigna-
ram audiências na sequência de denúncias de funcioná-
rios ou familiares que procuraram daquela forma dar eco
à revolta e promover a mudança.
Em quase 30 anos de jornalismo, fiz apenas uma
reportagem sobre um lar onde os idosos viviam realmente
felizes, eram tratados como pessoas válidas, tendo ou não
as capacidades intactas, e sendo profundamente respeita-
dos como seres humanos.
quero acreditar que outros haverá por aí, mas nem
os jornalistas, que tanto investigam, conseguem dar conta
de tudo.
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Os Outros de Alguém
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Este lar exemplar chamava-se, e continua a chamar-
-se, Belmonte – Residência Sénior e é dirigido pela Joana
Subtil Pereira, a autora deste livro.
A directora que, em 2020, mal se desenhava no hori-
zonte o pesadelo da covid-19, largou família e amigos e
decidiu fechar-se nesta casa, com os 33 utentes e alguns
funcionários. Como que formando um escudo protector,
resistiram assim semanas a fio e protegeram-se da inva-
são do vírus. Superaram medos e reinventaram dinâmicas,
ultrapassando desta forma uma das piores fases das suas,
e das nossas, vidas.
Foi nesta fase que reencontrei a Joana… porque na
realidade já a conhecia, sem saber O apelido dela cha-
mou-me a atenção porque em tempos trabalhara com
alguém que assinava da mesma forma. Vim então a confir-
mar que esta Joana Subtil era mesmo a criança que conhe-
cera em tempos, filha de uma antiga colega de trabalho.
que agora era adulta e directora deste curioso lar.
Dois anos passados, pandemia praticamente ultrapas-
sada, senti curiosidade em saber mais sobre o que tinha
realmente acontecido aos idosos, funcionários e directora
do lar que tinham sido notícia durante a época de confi-
namento. Afinal, que lugar era aquele, onde, ao contrário
do habitual, todos pareciam felizes.
A receptividade não podia ter sido melhor. A Joana
escancarou de imediato as portas da instituição e, com o
aval dos familiares e de todos os idosos que ali viviam, foi-
-nos permitido passar com eles todo o tempo que desejá-
mos e precisámos para fazer a reportagem.
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Joana Subtil 11
Um trabalho que tentou com toda a fidelidade retratar
as vivências, o dia-a-dia de todos, e de alguns em particular.
O que eu e o repórter de imagem Jorge Guerreiro
observámos e testemunhámos durante as várias horas que
por lá andámos a filmar e a fazer perguntas foi uma tre-
menda dignidade e respeito em cada acto, cada palavra,
cada momento e cada situação decorrente da interacção
entre utentes, funcionários e directora.
Os idosos não são infantilizados, nem escorraçados,
nem deixados a um canto. Continuam a ser pessoas. Sim,
porque nos dias que correm parece que ao envelhecer o ser
humano perde essa característica: a de ser pessoa. Deixa
de contar, de ser incluído. As suas opiniões passam a ser
menosprezadas ou ignoradas, as escolhas criticadas ou
ridicularizadas. Os velhos parecem ser um excedente, um
estorvo, um empecilho.
Não consta que a Joana Subtil tenha ascendência
oriental, mas, pela forma como se bate pelo tratamento
digno dos idosos, diria que segue essa linha milenar em
que os mais velhos são tidos como sábios, seres humanos
superiores.
Lembro-me de uma frase que ela repetiu várias vezes
durante a reportagem e que acaba por resumir, de certa
forma, essa característica: «Deus me livre de os obrigar a
fazer alguma coisa. Eles sabem muito mais do que eu. Esta
é a casa deles, nós só estamos aqui para ajudar».
Também me recordo de uma outra frase dita por um
funcionário em resposta à minha pergunta sobre como
lidar com as situações mais difíceis no trato com os idosos:
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Os Outros de Alguém
12
– Com amor. – foi a resposta.
– E se for mesmo muito difícil? – insisti.
– Com mais amor ainda. – respondeu.
Dias depois da reportagem ter sido emitida, a Joana
falou-me da ideia de escrever um livro sobre a temática
do idoso.
Como não a incentivar?!
A Joana é uma excelente comunicadora, tem as ideias
arrumadas, é capaz de defender ou refutar qualquer argu-
mento em que acredite verdadeiramente ou discorde
profundamente.
E, num abrir e fechar de olhos, a obra surgiu.
Aquilo que a Joana tem para oferecer é um testemu-
nho carregado de experiência, de empatia e clarividência
sobre como viver, conviver e lidar com aqueles que somam
mais anos do que nós.
Envelhecer é uma inevitabilidade.
É inevitável saber o significado de envelhecer.
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OS OUTROS
DE ALGUÉM
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Joana Subtil 15
Quem sou eu
Chamo -me Joana Subtil Dionísio Canoa… Pereira…
depois de casada! Ao dia de hoje, tenho 37 anos. Ressalvo,
em 30 de Setembro de 2022! O que não invalida que
depois disto lançado não possa já ter uns 40!
Sou de luas, de forças, de moods, de momentos, e ape-
sar de saber exactamente onde quero chegar com o que vos
escrevo, preciso de tempo de vida para viver momentos,
senti -los e escrevê -los. Até porque se diz por aí que a idade
traz maturidade, maturidade traz inteligência e a inteli-
gência traz perspectivas.
Sou educadora social de profissão e a pergunta que
mais ouço é: «O que é isso?!»
E para que também não seja uma dúvida entre nós,
aproveito para esclarecer. Cabe ao técnico superior de edu-
cação social o treino de competências pessoais e sociais do
ser humano em diferentes contextos. É complexo na ver-
dade, e nutro um enorme respeito por quem consegue ter-
minar este curso, não é pêra doce se não se for pessoa de
uma sensibilidade, sentido de humanismo e empatia no
seu nível máximo.
Em tempos, tive uma família enorme e bonita, só que
não sabia disso!
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Os Outros de Alguém
16
A infância não nos permite olhar com olhos
dever eaverdade é que, pouco a pouco,
os maisvelhos nosvão desaparecendo quase
como que num abrir efechar de olhos.
A bisa Maria teve muitos filhos, não sei se era televi-
são a menos ou tempo a mais, mas a verdade é que anti-
gamente nos batiam aos pontos neste tema da natalidade.
Lembro -me dela, velhinha e com mau feitio, cuspia a sopa
que era uma maravilha, e eu, pequena, achava -lhe um pia-
dão, quem nunca?!
Foi muito nova que percebi que as rugas me fascina-
vam! As dos outros, claro, quando forem as minhas sou
capaz de não lhes achar tanta graça!
Não me recordo exactamente em que idade decidi que
um dia ia fazer a diferença entre as idades mais velhas, mas
tenho trabalhado para isso mais horas do que as aceitáveis
à perspectiva de um ser humano comum. É aceitar! Seguir
feliz e realizada com o dia -a -dia, enquanto lido com o
sucesso e as frustrações.
Digo muito que sou uma gota no oceano,
mastambém nunca me esqueço de que o oceano
é constituído porgotas, portanto, eu faço parte
do processo…
e dificilmente me esqueço disso! Orgulho -me do
meu percurso, das minhas escolhas, da minha família,
de tudo o que me rodeia e mais qualquer coisa.
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Joana Subtil 17
Gosto de dar! Dar prendas, dar elogios, proporcionar
coisas boas, ver os outros felizes e fazer parte da felicidade
deles. Não sei receber, nunca soube! Aliás, em alguns
momentos torna -se quase constrangedora a falta de reac-
ção. Sou genuinamente tão feliz com pessoas, que tê -las
por perto é mais que baste para me sentir completa. Na ver-
dade, também assumo um gosto peculiar, o que dificulta
em muito a escolha de uma prenda para mim. Mais vale
poupar os euros e o esforço, venham de lá esses abraços e
essa presença.
Sou feliz por teimosia e insisto em ver o copo meio
cheio. Um exemplo?! Caí! Impecável… não parti nada!
Aplico esta «ciência» em tudo o que faço e funciona!
Tenho pilares na minha vida que lidam com o tur-
bilhão de mulher que sou… E haja paciência para me
aturar! A mim e a tudo o que trago comigo! Os meus dias
são todos diferentes e é mais fácil subir a Torre Eiffel do
que me tirarem uma ideia da cabeça! Na verdade, o melhor
mesmo é juntarem -se à minha loucura, nem que seja por
uma questão de solidariedade e reforço positivo!
Gosto de rir! Rir muito COM! Até certa altura da
minha vida achava que tudo me acontecia, até que acabei
por perceber que não, azares acontecem a todos, no entanto,
a ênfase que dou às coisas torna tudo muito mais dinâ-
mico e sem dúvida de que consigo rir de situações desas-
trosas… é a vida. Assumo que talvez seja mesmo um dos
meus pontos fortes, ter espaço na minha vida para brincar
quando posso brincar, rir quando posso rir, e encontrar
sempre perspectivas facilitadoras de encaixar o momento.
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Os Outros de Alguém
18
Nem sempre é possível, mas quando é, cá estou eu à pro-
cura de como quero olhar e ver. É claro que já pus a pata
na poça, acontece, mas graças a Deus são raras as vezes que
alguém me interpreta mal.
Guardo memórias de infância de forma tão nítida que
arrepia, momentos, emoções, sentimentos… Mais os ins-
tantes que por alguma razão passaram anos guardados e
que me vou lembrando quando relacionados com aconte-
cimentos recentes! Coisas que desvalorizei e que nos dias
de hoje me causam melancolia.
Agora, lembrei -me da minha avó!!!!!
Mas que grande senhora…!!!!
No meu tempo de criança brincava -se muito na rua,
com a criançada da praceta! Éramos todos amigos, vizi-
nhos, e frequentávamos as mesmas escolas! O engraçado
é que mesmo sem telemóveis lá nos encontrávamos. Tinha
uma vizinha chamada Sandra, morávamos parede com
parede, mas prédios diferentes! Quando queríamos brin-
car na rua, dávamos umas cacetadas na parede (aiiii o que
eu ouvia da avó!!!!) e encontrávamo -nos à janela!
Raras as vezes que nos juntávamos na mesma casa.
Passávamos muito mais horas a falar à janela, a trocar
cromos ou a mostrar os hamsters (adorávamos hamsters),
tínhamos ninhadas deles! Quem diria que, hoje em dia,
eu não lhes acharia piadinha nenhuma!
A avó
A avó Maria de Fátima, Faty para os amigos… Acho
que trago em mim muito dela!
Reconstruiu uma vida depois de perder tudo, vinda de
Angola, no 25 de Abril, com duas filhas nos braços. Teve
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Joana Subtil 19
um percurso profissional invejável e não havia quem não
gostasse dela. Era pessoa para pôr um grupo de criançada
da praceta a apanhar lixo pela rua, e todos a adoravam.
Não precisava de muito para arranjar uma «tropa», orientá-
-la e pô -la a marchar que era um instantinho. Era dinâ-
mica dos pés à cabeça, alta, leve de alma e de espírito,
bonita na expressão, na bondade e na acção.
Só me lembro das coisas boas que fazia, entre elas
deixar notas de mil escudos à mão da neta para ela lhas
rapinar e gastar tudo a comprar bandas desenhadas da
Turma da Mónica, gomas, cromos e muita tralha das Spice
Girls. A casa da avó cheirava a mousse de chocolate… que
ainda hoje sei fazer de olhos fechados! Nas tardes quen-
tes, de Inverno ou Verão, partilhávamos momentos
Magnum de amêndoas, e colávamos chocolate ao céu da
boca para ir derretendo aos bocadinhos. Comíamos leite
condensado à colher (uma por dia… ou duas), ela dizia
que fazia milagres, a mim animava -me as papilas gusta-
tivas, milagres nem dei por eles!
A avó Faty era feliz e ensinava -nos a ser felizes com
ela, felizes com coisas simples e verdadeiras!
Era a pessoa proactiva na organização do Natal!
Eu sempre adorei o Natal. Os meus Natais eram passa-
dos em família, todos juntos, até com aqueles que não vía-
mos durante o ano inteiro. Mas estarmos junto no Natal
era sagrado! Era aquele dia do ano que tínhamos uns para
os outros! E o dia dava para tudo, para cantar, para dan-
çar, para comer, para cozinhar, até dava para discutir
Pensando bem, talvez fosse por isso que nos enchíamos
uns dos outros para o resto do ano! Mas não faz mal, era
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Os Outros de Alguém
20
assim e estava bem. A tradição era o prato da noite e não
havia cá mimos, ou comias ou comias! Bacalhau cozido
com batata, nabo, couve -portuguesa, ovo cozido e grão.
Eu sempre fiz parte da mesa das crianças! Passar para a
mesa dos adultos era quase como subir de estatuto!
Na única vez que lá me sentei a comer uma sobremesa,
fui corrida num abrir e piscar de olhos! As primas cresci-
das ansiavam ano após ano pela vez de lá chegarem, mas
parecia que os adultos eram eternos e infinitos, e a cada
ano que passava mais tinham de encolher as pernas.
Organizávamos espectáculos para apresentar aos cresci-
dos e cobrávamos entrada. As primas «crianças crescidas»
faziam a gestão financeira! Era uma qualidade de gestão
inigualável! Nunca vi um escudo! O Pai Natal chegava à
meia -noite para animar os adultos, achávamos nós.
Levávamos tudo muito a sério, era a missão «Organizar
o Natal». Só hoje entendo a paciência que a malta mais
velha tinha em prol de nos proporcionar um Natal feliz.
Faziam de tudo para entrar no espírito e dar -nos espaço
para sermos crianças, felizes! As prendas eram secundá-
rias, mas eu e a minha prima abríamo -las todas enquanto
os crescidos iam à missa do galo. Achava aquilo uma
valente seca, e o plano era mesmo ficar na bisbilhotice.
A regra sempre foi sermos felizes no sítio
ondequeríamos estar, foi o que nos ensinaram!
Em tempos, tive uma família tão bonita, são tantas as
recordações felizes… Nunca achei que um dia acabasse,
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Joana Subtil 21
as crianças não estão concebidas para a realidade de que as
coisas, mais tarde ou mais cedo, acabam por mudar.
E para mim, tudo mudou especificamente naquele
Natal…
O Natal em que a avó Faty não quis estar! Eu percebi!
Percebi que alguma coisa não estava bem…
A avó estava doente!
A cabecinha ia deixar de funcionar da mesma forma…
mas o que é que isso significava?
Alzheimer! Quem era? O que era?
E na procura de respostas para tantas perguntas lidei
com a frustração de não as encontrar. A geriatria é um bicho
recente, e se pararmos para analisar a nossa pirâmide demo-
gráfica, e a sua evolução nos últimos anos, podemos com-
preender que nunca houve tantos velhos, nunca houve tanta
necessidade de ajuda, de estudos, de procura, de respostas.
A esperança média de vida aumentou a pique, mas as res-
postas sociais não acompanharam esta mesma evolução.
E quase que num abrir e fechar de olhos não conseguimos
dar uma resposta atempada às necessidades da sociedade,
das famílias, dos seres humanos. E se hoje ainda é difícil,
imaginem há 20 anos, quando nem sequer existiam insti-
tuições que soubessem lidar com isto, as demências.
E a avó? A minha avó? Daí a tudo se desmoronar foi
demasiado rápido! Foram anos de ausência de respostas
para tantas perguntas. Hoje é um bocadinho mais fácil
entender, de perceber que o atraso na resposta advinha da
falta de experiência que tínhamos (e ainda temos) para
lidar com tudo isto.
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Os Outros de Alguém
22
A avó deixou de ser a «avó» e passou a ser a «filha»,
e eu, na minha imaturidade, deparei -me aqui com a queda
do meu mundo cor -de -rosa! Sempre achei que cuidar era
uma capacidade global e que com apoio conseguiríamos
ultrapassar. O choque foi quando percebi que aquilo que
para mim era óbvio e inato ao ser humano, ou pelo menos
a minha avó assim mo passou, não era assim tão linear.
O ser humano não era um inato cuidador, aliás,
a realidade era outra, o ser humano era débil
na«arte»de cuidar.
Ainda hoje me sinto enganada. A minha verdade,
os exemplos que vivi, a educação que me foi dada, não
roçaram a realidade quando me foi apresentada de forma
nua e crua.
O que é isto de cuidar?
Lembro -me de muito nova apreciar o comportamento
humano, a facilidade com que se substitui coisas, pessoas,
produtos, máquinas. A minha avó ensinou -me a não desis-
tir de nada, cuidar das plantas, tratar dos animais, amar as
pessoas, manusear cuidadosamente electrodomésticos, reu-
tilizar materiais, cuidar do planeta… manter e respeitar.
Não me ensinou a descartar coisas ou pessoas por inutili-
dade ou divergências. Os exemplos em coisas simples
tornaram -se gigantes naquilo que é complexo.
E assim cresci, a não perceber esta não capacidade de
cuidar e a questionar, para mim, só para mim, este evoluir
de sociedade que ainda hoje tenho dificuldades em
acompanhar.
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Joana Subtil 23
Sabia lá eu onde isto me conduziria.
Um percurso depois… Hoje trabalho como directora
técnica em casas destinadas a cuidar dos nossos mais
velhos! E não não é um cargo de sonho, até porque
detesto papéis! Mas houve um dia em que decidi que ia
marcar a diferença nesta área, e percebi que só o consegui-
ria num cargo que me permitisse chegar às pessoas, dar o
exemplo, ensinar, orientar, mostrar o caminho!
E quem sou eu para mostrar o caminho?!
Sou a neta da Faty! E isso chega perfeitamente!
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